domingo, 27 de dezembro de 2009

O nós existe

A tua cara a flutuar no meu pensamento ...

Podia escrever de mil a mil coisas mas hoje, escrevo sobre nós. O nós que durante dias e meses ansiava, o nós que queria que chegasse, o nós que ficasse para sempre, o nós com significado.
Foste tu que me ensinaste a forma de ser do corpo humano, a essência do cheiro da pessoa e a personalidade mais bela que o cérebro quase não consegue captar por total. O conhecimento do verdadeiro "eu" que insiste em riscar por completo os dois últimos pronomes pessoais. Usaria os dois primeiros quando estivesse contigo, sozinhos, a olhar olhos nos olhos um do outro e a fixar cada pestanejo, cada movimento da boca, cada gesto teu. Seria assim :
- Eu amo-te Sara, tu amas-me ?
- Como posso não amar a pessoa que me faz mais feliz neste mundo ? Aquele que me faz sentir a diferença da lágrima de tristeza e da lágrima de felicidade, aquele que me faz sentir o seu sabor e que passa a mão na minha cara para as enchugar. Como posso viver sem ti se és tu que me fazes viver ? Aquele que me faz sentir viva, que me faz respirar, aquele por que vivo ! Como posso deixar-te ir se não te quero largar ? Largar a tua mão, deixar de mexer no teu cabelo, deixar de sentir esses teus lábios junto aos meus, deixar de sentir o teu cheiro ou a tua presença. Sim, eu amo-te.
E aí caía uma lágrima à qual aposto que ma enchugavas e me fazias sorrir em vez de chorar. Como tal, acabaria com um beijo apaixonado, o mesmo que nos filmes... mas é real. Riscando da lista o "eu" e o "tu" passemos para o "ele" . Teria de haver pelo menos discuções entre um mar de rosas, um desentendimento, por causa dele. Saíria sempre a justificação de que só te quero a ti, que só te amo a ti, e que ele não existe. Se estou contigo por alguma razão será certo ? - dir-te-ia eu com a consciência limpa, pois só tu me interessas. E mais uma vez, o tal beijo apaixonado depois de fazer as pazes. Sabe tão bem sentir-me bem contigo.
Agora, o mais importante : o nós. É o que uso todos os dias, todos os minutos da minha vida. O nós que existe em mim, o nós que existe em ti, o nós que nos une e nos torna num só.

O nós é para sempre bebe.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Os meus cãos


Matilde, Bingo, vamos à rua ?

Corríamos para o campo e íamos apanhar amoras, aquelas coisinhas deliciosas que me deixavam as unhas roxas e os dentes pretos. Alguns dentes ... Oh vá lá tinham-me caídos os dentes de leite sim ?

Era eu, de calções e sapatinhos com um balde na mão, e sempre com o receio de me picar nas silvas. Chegava eu a casa e, depois de tomar um banho para tirar a sujidade toda, uma mistura de amoras com terra que percorria o meu corpo todo, sentava-me nos degraus da minha casa a depenicar as amoras todas que havia recolhido. E eles, um de cada lado, sempre à espera que esticasse as mãos para eles as lamberem, com um ar de ansiedade como se não comessem à meses. Um velho senhor com boina e com aspecto de alentejano, contava-me histórias sobre um touro que vivia ao fundo do caminho das amoras que por sua vez se encontrava perto da minha casa e ao lado de um campo de concentração onde as ovelhas pastavam e onde se encontravam árvores numericamente marcadas. E eu, com algum receio que o touro me fizesse mal, só ia ou acompanhada ou só até metade do caminho. Das duas uma : ou ficava no baloiço, construído com apenas uma tábua de madeira e duas cordas amarradas a uma árvore, ou ia brincar no quintal, à volta da nossa pereira, com eles e com o Tosco, o nosso gato laranjinha que adorava subir árvores para as descer, simplesmente por isso lhe chamámos assim. Era tão bom ... gostava tanto da vossa companhia.

Quando mudámos para a casa do Vimeiro, passei a achar que vivíamos num «campo cidade» só pelo facto de Torres Vedras se encontrar a poucos km dali. Mal entrei dentro de casa reparei que não tinha um ar tão, digamos inocente, como a da Malveira. Odiava o facto de não ter um quintal igual, com uma pereira no meio, e para além disso era um quintal quase escasso cheio de cimento. Mas lá me habituei. O aspecto positivo era ter um canil para os cães se abrigarem e não terem de entrar em casa e patinhar o chão. A vivenda tinha dois andares e agradava-me o facto de ter um jardim e muito espaço no interior. Em frente à casa havia o D.Luís, um restaurante com takeaway e por trás da casa uma estrada de alcatrão com um prado com grande abundância de azedas. A mais ou menos 8km à frente encontrava-se a Lourinhã, uma vila onde o meu pai costumava ir comprar fruta e pão, ou apenas para beber a bica. As saudades da Malveira eram muitas mas os pequeninos faziam-me esquecer e nunca lembrar o facto do Tosco ter ficado lá, pois ele desaparecera antes de mudar de casa.

Corre Matilde, corre ! Anda Bingo, busca !

Quando passávamos pela vila, aquelas coisas lindas davam sempre nas vistas e aqueles olhos eram uma espécie de controlo para receberem festas. Sinceramente ? Eram os cães mais lindos que alguma vez vira e, sendo cães de caça deveriam ter um ar rufia, mas só tinham ar de cachorros fofinhos ! Como os cães davam bem nas vistas, resolvi tomar um caminho diferente enquanto o meu pai ia às compras. À medida que cresciam iam ganhando força e elegância e, como era eu que os passeava, chegava a casa estafada e deitava-me no sofá com bolachas e coca-cola à frente. Um dia o meu pai entrou em casa e disse-me sorrindo "Sara, olha o que trouxe" . Por meu espanto era um cão, um mini cão rafeiro e preto, com aquele pêlo quase áspero e com um cheiro desagradável. "Encontrei-o junto ao lixo" disse, enquanto espantada e enraivecida pelos donos não conseguia perceber como era possível terem abandonado um cão de mais ou menos um mês ao lado de um contentor. E Dicksy ficou, não sei porquê mas também nem achei que ficasse mal.

Corre Matilde, corre ! Anda Bingo, busca ! Dicksy não mordas a Matilde !

Até que a Matilde e o Bingo fizeram anos e resolvemos fazer um bolo de iogurte para toda a gente comer. Para que não bastasse juntou-se outro membro à familia : o Buba. Era assim um género de Pit Bull com rafeiro e era lindo ! Principalmente aqueles olhos verdes quase cor de alface e, apesar de ser pequeno era um grande cão. Lembro-me dos dias em que quase me matava a rir quando ia tomar banho. Gania, gemia e ladrava como se tivesse a pedir socorro por lhe estarem a molhar ! E comovia-me o facto de me sentar na escadaria da minha casa, quando tinha imensa vontade de chorar e tinha-os lá a tomar conta de mim. A Matilde a pôr a pata em cima do meu joelho como se estivesse preocupada, o Buba a morder-me a orelha para me fazer rir, o Dicksy ladrava para mim como se me estivesse a dizer para não ficar assim e para me animar, e o Bingo ficava calado, deitava-se, punha a cabeça em cima das patas como se não compreendesse porque razão estaria assim. E em vez de chorar de tristeza chorava de alegria, o que não durava muito pois de seguida tinha a Matilde a lamber-me a cara com aquela língua gigantesca que mais parecia uma fatia de fiambre ! Como eu me lembro ...

Corre Matilde, corre ! Anda Bingo, busca ! Dicksy não mordas a Matilde ! Buba calma !

Os meus Bibos

O Bingo morreu atropelado ... A minha reacção ? Doía mais quando olhava para a Matilde, dentro do canil, a maior parte das vezes de olhos fechados. Não estava a dormir, só guardava a dor e chorava ... como nós. Quando ia passear não corria, mantinha-se de cabeça baixa a andar ... como nós. Quando o meu pai trazia ração, não lhe apetecia comer ... como nós. Quando tentava adormecer só pensava no irmão, que era tal e qual como nós.

Vamos Matilde, cuidado Buba, anda Dicksy ...

O tempo foi passando e fomos aceitando que o Bingo devia partir em paz e que íamos ter a certeza de que ele nos estaria a ver de lá de cima. Os três Bibos, principalmente a Matilde, tentavam fingir que o Bingo tinha ido de férias, e passaram a divertir-se mais, até porque eu tentava animá-los.

Com a perda do Bingo, senti que me deveria aproximar dos outros, passar bons momentos com eles ! Eram tantas as festinhas, os beijinhos e, enquanto alguns achavam chato passear o cão eu fazia-o de livre vontade. À noite sentava-me no meio da estrada, pois sabia que quase nunca passavam carros, e punha-me a comer azedas enquanto o Buba andava trás dos gafanhotos e dos grilos, a Matilde a correr e a comer relva, e o Dicksy sentava-se no chão ao pé de mim com aquele ar de patrão como se mandasse na matilha, e punha-se de perfil com o peito e a cabeça erguida e os olhos semi-cerrados como se estivesse a posar. Olhava para ele, ria-me e brincava com ele dando-lhe festas na barriga, enquanto a Matilde e o Buba com ciúmes se dirigiam a nós para receberem festas também.
Sara, os Bibos morreram. Só o Dicksy sobreviveu.
ALTO !

Choquei aí ... o mundo parou naquele instante ... naquela hora ... naquele minuto ... naquele segundo.
Não ... não podia nem queria imaginar sequer ! Soube que, por vício os cães tinham comido relva mas por acidente a relva continha veneno para ratos. O Dicksy sobreviveu por ser rafeiro, e o seu corpo já estava programado para resistir nessas situações. Entro no quintal, sento-me nas escadas, chamo o rafeiro e encosto a cabeça dele ao meu peito enquanto me cai uma lágrima do olho. Eu juro, eu vi os olhos dele cheios de lágrimas, mas nunca cheguei a vê-lo derramá-las. Agarro no focinho dele e dou-lhe um beijo, os meus cães iam desaparecendo, um por um. Olhei para ele e reparei que tinha os olhos amarelos e fitei-me na sua cor. Pensei para mim mesma "Nunca reparei em nada vosso, limitava-me a estar com vocês, a tratar-vos como cães ! Mas vocês não são cães, nunca foram, vocês são os meus melhores amigos. Só depois de perder o Bingo é que vos dei o devido valor e mesmo assim ... não foi o suficiente, pois agora que vos perdi é que vejo o quão vocês me fazem falta, me são essenciais, me são importantes" .

F* ! - a minha primeira asneira. Senti uma necessidade tão profunda que a repeti umas trinta vezes enquanto gaguejava e perguntava porquê ? .
TODOS os dias o Dicksy começava a comer só ração. Já pouco ou nada ligava àqueles ossos de vaca enormes que o meu pai trazia do talho para os cães comerem, como se fosse uma sobremesa saborosa e nutritiva para os dentes. Talvez não quisesse porque costumava partilhar o mesmo osso com um dos outros e assim lembrar-se-ia deles.

TODOS os dias, e doía imenso, ele saltava para cima do muro e olhava atentamente para todo o lado, até para o nosso carro, enquanto chegávamos da viagem, para ver se os cães voltavam, mas o carro estava quase sempre vazio e as ruas quase desertas. E lembro-me de ver através da janela, num dia chuvoso, o pobre cão a empurrar a tigela da Matilde contra a parede com o seu focinho e a deitar-se junto dela, à chuva. Foi tão triste ... parecia que até as próprias nuvens choravam nesse dia.
Dicksy ... vamos à rua ...

Mais tarde acabou por morrer de velhice. Não me chocou muito, pois já estava habituada e saber que o cão tinha morrido de velhice não era nada comparado ao que soube do resto dos Bibos. Não que ele me fosse insignificante, mas o meu coração já estava tão frouxo que se chorasse nem o sangue das veias se tingia e se misturava com as lágrimas. Sim, o coração também chora, e chorou em demasia, mas comecei a aceitar que todos os seres vivos sofrem um percurso de nascimento, de vida e de morte. Admito, senti falta dele e lembrei-me de ver os seus olhos amarelados, contornados com um escurecimento do castanho ao preto, encharcados em água salgada. Infelizmente, não tenho videos vossos, nem fotografias que me recordem do passado, mas nada me pode tirar a memória e os momentos que passei com vocês.

Relatando isto, estarei a ser infantil ? Não sei, não é um tema rico em interesse, mas também depende do ponto de vista de cada um. E, de qualquer das formas, também não me considero uma adulta, apenas uma pessoa com muita sorte. Tive os melhores amigos que muita gente quer ter e não tem. Tive e tenho, pois um dia encontrar-vos-ei !

Os cães eram nossos irmãos, eram cães como nós e nós éramos pessoas como eles.

Biiibooss, vamos à rua ?
Nunca mais se ouviu isto.
Já não havia felicidade.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Quem és tu ?


Que tipo de diário és tu que me dás respostas, que me dizes o que é certo, que me relatas acontecimentos?! Quem és tu que me deixas confusa e triste, que me deixas confortável? Porque fazes questão de me mostrares os meus erros? Porque... Ah, agora entendo. És tu!
És tu aquele que me dá as respostas, mas sou eu que as escrevo antes de as ler.
És tu que me dizes o que é certo, mas isso só eu sei.
És tu que me relatas acontecimentos, mas sou eu que os vivo.
És tu que me deixas confusa e triste, mas sou eu que choro de tristeza, que berro de raiva.
És tu que me mostras os meus erros, mas sou eu que os cometo.
És tu que me deixas confortável, mas sou eu que me expresso numa sopa de letras que comes como um sem-abrigo.
És tu que és alimentado, mas sou eu que te alimento.

Meu diário, meu protector, meu confidente ... meu melhor amigo.